Notícias: Manual do Usuário, do escritor suíço-britânico Alain de Botton, fundador da School of Life, parte da ideia de que, atualmente, a notícia ocupa na sociedade uma posição antes pertencente à religião (ideia emprestada de Hegel). “Lemos notícias quando acordamos e quando vamos dormir”, declara o autor, completando: “Certamente estamos numa época em que iniciamos o domingo lendo notícias em vez de ir à igreja”.
A partir de 25 exemplos típicos do que é divulgado por jornais, emissoras de TV, agências e notícias e portais da Internet, Botton traça em 237 páginas um panorama do que é bom e, principalmente, ruim no nosso consumo de notícias. Além de investigar questões clássicas como ‘por que as manchetes de grandes desastres nos envolvem tanto?’, ‘O que torna a vida amorosa das celebridades tão interessante?’, ‘Por que adoramos ver políticos levando a pior?’, ‘Por que as notícias sobre revoltas em países distantes costumam ser tão desinteressantes?’, o livro propõe alguns caminhos para que os meios de comunicação voltem a influenciar de fato a sociedade atual.
Considerado por alguns superficial demais e por outros idealista ou até mesmo ingênuo, Botton prega, a grosso modo, uma humanização do jornalismo. A pintura “Paisagem com queda de Ícaro”, de 1558, é usada pelo escritor suíço para ilustrar como ele vê o nosso relacionamento com o noticiário. Em uma paisagem superficialmente bucólica, onde navios velejam e um pastor cuida do rebanho, percebe-se, no canto inferior da tela, uma tragédia se desenrolar quase despercebida – o imprudente Ícaro se afoga e morre, após permitir que a cera das asas por ele confeccionadas fosse derretida pelo sol – as manchetes, se existissem, tratariam de outro assunto nesse dia.
Muito além da denúncia
Para Botton, os produtores de notícia precisam ter o desejo de tentar melhorar o mundo. Uma coisa, segundo ele, é apurar os fatos, outra é convencer o leitor a se importar com tais acontecimentos. Ele se vale do exemplo da competente cobertura da BBC em Uganda, para questionar o aparente desinteresse das pessoas com toda a crise humanitária que há anos acomete o país:
Talvez, sugere o filósofo, se tivéssemos consciência da normalidade e do cotidiano da vida lá em Uganda – os coloridos anúncios do óleo vegetal Golden Fry pintados à mão nas paredes das casas, o cheiro de carne assada e de fumaça de fogueira, os marabus e turacos que rodopiam no céu azul de manhã e as figueiras que crescem nas ilhas de trânsito – os distúrbios se tornariam mais impactantes.
Devemos ser mais generosos com a parcialidade
Aprendemos na faculdade que no mundo do jornalismo sério, ser tendencioso é o que há de pior. É sinônimo de intenções malévolas, mentira e tentativas autoritárias de negar ao público a liberdade de decidir por conta própria. Para Botton, no entanto, a parcialidade pode sim tentar explicar o que os fatos significam e introduzir uma escala de valores através da qual podemos avaliar ideias e acontecimentos.
A notícia deve fazer mais para explicar a relevância dos acontecimentos
Em um cenário de escândalos políticos e financeiros diários, nos acostumamos a comemorar quando a mídia desmascara figuras de poder. Ao nos mostrar o criminoso sendo levando no banco traseiro de uma viatura da Polícia Federal, o noticiário nos dá esperança de que a fonte importante de uma infinidade de nossos males e dos males da sociedade foi identificada e devidamente neutralizada. Segundo Botton, contudo, essa esperança pode ser enganosa.
As notícias que chegam sobre a nação não são a nação, e sim uma parte dela
Paralelamente ao foco habitual nas catástrofes e no mal, as notícias devem, para Alain de Botton, ser manejadas de forma a desempenhar a função crítica de destilar e concentrar um pouco de perspectiva positiva para que uma nação abra caminho em meio às dificuldades. Ao mesmo tempo que ajuda a sociedade revelando seus pecados e sendo honesto a respeito de suas dores, o noticiário não pode negligenciar a tarefa de igual importância que é construir uma comunidade imaginária que pareça boa, compassiva e sadia o bastante para que as pessoas queiram contribuir para o seu desenvolvimento.
As fotografias devem revelar mais e corroborar menos
Não existe figura mais oprimida em uma redação do mundo moderno do que o editor de fotografia. Não que a fotografia esteja em desuso na mídia, muito pelo contrário, o problema para o filósofo é a falta de ambição por trás de sua produção e exibição. Em geral, as fotos são banais, insípidas e repetitivas, justamente porque seu objetivo é meramente fornecer um nível a mais de comprovação da realidade dos acontecimentos que já foram descritos em linguagem verbal.
A admiração é importante e inevitável
O interesse pela vida das celebridades é sempre condenado pelos guardiões da chamada cultura de elite. Em parte, isso vem da convicção de que celebridades não podem de fato ser consideradas dignas de admiração ou interesse quando sua contribuição à sociedade é posta contra o pano de fundo dos verdadeiros problemas da humanidade. Bobagem! O impulso da admiração é uma característica importante da nossa psique. Seja na cidade-estado de Atenas em sua era de ouro, seja no catolicismo, o culto à celebridade sempre existiu e representa, na visão de Botton, a louvável tentativa de aprender por meio de exemplos a nos tornarmos versões melhoradas de nós mesmos.
Ok, você deve estar se perguntando ‘o que eu tenho a aprender com uma foto da Carolina Dieckmann comprando morangos na feira?’ E é justamente esse o ponto. Em vez de simplesmente eliminar nosso amor à celebridade, a mídia deveria otimizá-lo de forma inteligente, ou seja, promover pessoas que realmente encarnem e reforcem os valores mais elevados, nobres e benéficos.